quinta-feira, 14 de julho de 2011

Filha de Deus

Por ser a segunda filha do casal sentia-me rejeitada, pois meus pais só davam atenção e carinho à minha irmã mais velha. Naquela idade eu não entendia que era por causa de sua saúde um pouco debilitada. Ela sofria de Asma.
Eu me sentia muito triste pelos cantos da casa. Aos sete anos sofri uma doença muito grave. Naquele fim de mundo sem ter médico para um diagnóstico e acompanhamento de um tratamento, segurei-me a mão de Deus atraves da Fé e orações. A boca e a garganta cheia de caroços e expelindo baba, já não conseguia comer e nem dormir, mas Deus na sua misericórdia me curou. Toda vizinhança achou que foi um milagre.
            Eu tinha uma prima seis meses mais velha que eu. Éramos muito amigas. Ela sentia-se também na mesma situação minha. Não se sentia amada pelos pais. Sua irmã mais velha era mais paparicada e a preferida segundo a  interpretação do seus sentimentos. Então começamos a planejar uma fuga.
 Eu apesar de mais nova com apenas sete anos pensei e falei, Como é que vamos sair de casa sem comida e água?  Se nós nos perdermos nas matas morreríamos de fome e sede. Ela respondeu, A gente leva um pouco de farinha e rapadura num saquinho e vamos comendo.
Eu dizia: Não podemos ir pelos caminhos já trilhados pois as pessoas nos conhecem, sabem que papai é comerciante de fama nessa redondeza e vão nos entregar para os nossos pais e assim não poderemos sequer pedir água nas casas. Ela respondeu:
A gente leva uma cabacinha d’água. Mas eu preventiva disse: E quando se acabar tudo?
Água, farinha, rapadura e nossas forças. Como dormiríamos no mato, como nos proteger das feras, do calor do dia e do frio noturno.
            Sem respostas para as perguntas, resolvemos desistir do plano, tirar esses pensamentos da cabeça e nos conformar com a nossa  situação e confiar nas graças de Deus.  Eram os nossos anjos que nos iluminavam as idéias. Hoje sei que foi o Espírito Santo que já habitava em nós.
            Aos quinze anos sofri uma conjuntivite muito forte. Vale lembrar que onde morávamos não havia médico e era muito difícil transporte para a capital  e como conseqüência perdi uma visão. A partir daí os meus pais começaram a se preocupar comigo.
            Papai deu um jeito e me levou para Fortaleza. O médico lamentou bastante. Naquela época não se ouvia falar em transplante de córneas e o olho teve que ser extraído. Foi então colocada uma prótese que não se adaptou. Foi sugerido importar uma prótese menor da Argentina, mas demoraria muito a chegar e então desisti. Eu não tinha vaidade, muito simples, não pensava em passear, dançar, namorar. Como só gostava de costurar e bordar, pensava: como vou continuar esses afazeres apenas com uma vista? Mas Deus mais uma vez me socorreu e aos poucos fui voltando para os meus bordados.
            Como já falei eu era muito recatada e casar nem pensar, mas o destino já estava traçado trazendo-me mais sofrimentos. A pessoa com quem me casei me achava fria, esquisita, sem carinho, sem romantismo, e o meu marido não me entendia, me tratava como objeto, todo o ano lhe dava um filho. Ele era e continua sendo muito autoritário, tudo tem que ser do seu jeito. Eu tinha que está sempre pronta para atendê-lo. Tinha de parar o que estava fazendo seja o que fosse para não criar confusão.
            Quando já tinha quinze filhos ele arranjou uma filial, pois achava ele que eu dava mais atenção aos filhos que a ele. Ao falar da situação financeira, das dificuldades, da falta de algumas necessidades básicas, ele não se preocupava. Eu pedia que pelo amor dos filhos ele  deixasseaquela mulher mas ele  gritava dizendo: - Tu não sabes que eu não deixo mais aquela  mulher por nada? Para que falar mais?
            Aconteceu que devido à situação perdi seis filhos por falta de assistência médica. Sofri de mais por cada filho perdido. Pela graça de DEUS não fiquei louca. Assim como Deus dá ele tem o direito de tirar, pensava eu. E assim me conformava.
            Quando a Outra não o quis mais, ele arranjou várias outras amantes uma ou duas simultaneamente por pouco ou por  um breve tempo. Com uma delas o relacionamento durou por mais de vinte anos. Eu com nove filhos vivos, todos de menor, pedi para resolver de vez a nossa vida, se ele queria ficar comigo e os filhos ou com a dita mulher. Ele preferiu a amante.
            Eu estava com quarenta anos de idade, viúva de marido vivo, entreguei-me nas mãos de Deus. Fui morar em Fortaleza, dependendo da sorte e da Fé em Deus. Um dos filhos ficou empregado em armazém de cereais, a filha mais velha, vendendo carnês da sorte de porta em porta, outros dois vendendo balas na Praça Jose de Alencar, levando cascudo de trocador e motoristas de ônibus.  Passei por cirurgias complicadas, mas  com a graça de Deus estou contando a história.
            Após a morte da outra, ele já com oitenta anos, sem o meu consentimento se socou em casa, com ar autoritário de sempre, querendo toda a atenção só para ele, tanto da minha parte como dos filhos.
            O meu maior orgulho são os meus filhos, souberam trilhar o caminho da retidão, da honestidade, da responsabilidade, da religiosidade, da gratidão. Agradeço a Deus por tantas graças alcançadas e peço a Ele para suportar o porvir.
         Se eu fosse escrever todo o meu sofrimento, não tinha papel que coubesse e ficariam as páginas ensopadas  de lágrimas, tanto da escritora como dos leitores.
            Obrigado por tudo, Meu Deus!
           
Assina; Uma filha de Deus!


P. S.
Onde há fé, há amor.
Onde há amor, há Paz.
Onde há paz, há Deus.
Onda há Deus, nada falta.

Tudo posso naquele que me fortalece

Autora: Valda Rabelo
Fortaleza, Junho de 2011